segunda-feira, 30 de junho de 2008

Calibre para poucos

Estava ele ali, o pobre coitado do homem enciumado. Ninguém é mais infeliz no mundo do que aquele que planta sua própria desgraçada na preocupação imaginativa. Toda a vez que a mulher saía com as amigas era a mesma história, seu estômago se voltando para dentro e digerindo todos seus órgãos, mas devagar, porque rápido seria bom demais e aqui estamos falando da tortura mais bem feita e que nunca se planejou, apenas apareceu.
O pior de tudo é que o danado não podia evitar, toda noite a mulher repetia a mesma coisa, que ele não era homem direito, que não a tratava com o devido respeito e aquele casamento não passava de uma acomodação em meio de brigas. Oras, seria mais do que natural de que ela aceitasse o primeiro homem que preenchesse todos esses requisitos, porque ser gentil e carinhoso por algumas horas, alguns dias e, vá lá, uns poucos meses é fácil, mas ele queria ver todos esses abutres amando ela por tanto tempo quanto ele. Talvez fosse ele apenas um incompreendido, amava tanto e não sabia demonstrar o que sentia de maneira adequada. E era assim que ele ficava, como um desses gatos que se roçam na gente e não pedem carinho, mas fazem ele mesmo, só que aqui ele não tinha com quem se roçar; às vezes também parecia bicho, virava fera e dizia que naquela casa a mulher não pisava mais, que tudo isso que ela fazia era um ultraje a sua paciência e a sua honra, pois onde já se viu mulher comprometida dando banda por aí?
Mas a mais pura verdade era que, quando a mulher voltava ele dava um sorriso e fingia que nada aconteceu, porque sabia que as coisas eram assim, e dizer que tinha ficado bravo só iria a enfurecer e aí sim que ela ia procurar por outro. Dava um abraço bem apertado, desejando que ela não saísse mais de perto dele; mas, como sabia que as coisas não funcionam assim, ele somente fingia que era seguro demais e era ele que deixava ela passear, e não ela que só ia e não falava nada, afinal homem que é homem é assim, confia no pobre calibre!

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