quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Krieg ist krieg und schnaps ist schnaps

Li o livro "As Benevolentes", são as memórias de um oficial nazista criado pelo escritor francês Littell*. Minha mãe ganhou o livro de um amigo e o encostou, fui ler a sinopse e achei interessante, apesar do meu preconceito besta contra best-sellers. Acho que essa repulsa a tudo que faz sucesso é uma tentativa de não se achar normal, comum, apenas mais um, superficial, etc, mas essa é uma história pra outra hora.
Voltando ao livro, apesar de críticas negativas quanto à veracidade de alguns fatos históricos e a possibilidade de distorção dos fatos** por se tratar de uma ficção - como se uma memoir ou um trabalho jornalístico não o fizesse - eu gostei do livro. Ele me ajudou a mudar um pouco de paradigma, aceitar algo que eu já tinha como uma ideia na mente, mas que ainda não era totalmente aceita. Acredito que isso ocorra mais do que imaginamos, ouvimos algo diversas vezes que achamos que está certo, repetimos, mas, no fundo, não acreditamos verdadeiramente até que algo de substancial mude.
Bom, vamos ao tal paradigma. Não tenho dúvidas que a Segunda Guerra foi o maior marco na nossa história recente, isso se reflete na quantidade de livros, filmes e obras em geral que abordam essa temática. Muitos, inclusive, reclamam e choramingam não aguentar mais do mesmo, entretanto eu acredito que, pela dimensão do que representou, é totalmente aceitável. Ademais, a quantidade de obras que tratam a Segunda Guerra só mostra que ainda não entendemos completamente esse evento e ainda o rodeamos a procura de uma explicação nova; isso porque julgamos a Endlösung - Solução Final - algo inexplicável, de tamanha crueldade que não parece cabível ao ser humano.
Porém, na minha concepção, é justamente nesse pensamento que mora o erro. Um comportamente desse tipo é cabível ao homem. Quanto era menor, na minha pré-adolescência, adorava o militarismo, queria me tornar um oficial, seguir carreira, achava o nacionalismo a maior das virtudes, como podem ver, não batia muito bem; porém, mudei, mas meu interesse por Guerras continuou, por outra perspectiva, claro. Na época, como muitos outros, acreditava que a Segunda Guerra teria sido a última guerra honrada, na qual se sabia claramente o lado por qual você deveria lutar. Era o bem contra o mal. Será? Veja, não estou aqui defendendo o Nazismo, embora, conhecendo os leitores da internet como eu conheço, acredito que é bem capaz que alguém me acuse disto. Aqui eu não planejo discutir se o extermínio dos judeus - e ciganos, poloneses, homossexuais, etc - era errado, todos sabem esta resposta, mas sim se aqueles nazistas eram malignos. Afinal, o que poderia ter levado um homem a esse estado? Uma possessão demôníaca, a princípio, parece a melhor explicação, entretanto, o que levou milhares de homens a agirem assim na década de 40 e outros milhões de homens em todas as outras décadas de todos os séculos é algo muito mais comum e menos sobrenatural: a natureza humana.
O que digo não é novidade, muitos chegaram a essa conclusão antes da guerra - Freud, por exemplo - e muitos outros, assombrados e se perguntando como aquilo aconteceu, procuraram a resposta no pós-guerra, em destaque Adorno, que realizou pesquisas sobre a personalidade autoritária. Todavia, meu objetivo tampouco é me aprofundar nessas ideias, pelo menos por enquanto, sou muito caro a elas, contudo às vezes podemos chegar a resultados semelhantes de métodos mais simples. Foi o que aconteceu comigo, talvez lendo tais autores e outros eu concordasse, mas foi o livro de Littell que me fez incorporar esta concepção.
No livro, o personagem principal, Maximilen Aue, oficial da SS, em certo momento conhece o médico chefe do campo de concentração de Auschwitz, Eduard Wirths, superior de Mengele - o médico que fazia experimentos sinistros e fugiu pro Brasil, morrendo afogado em Bertioga em 79 -, Aue o pergunta qual é a causa, na opinião do médico, do sadismo crescente e desnecessário dos guardas no campo de concentração. Wirths o responde que uma justificativa comum dada pelas pessoas seria a propaganda nazista, que tentava convencer os nazistas de que os judeus não eram humanos e não mereciam respeito. Algo contra essa tese seria a constatação de que aqueles homens não agiam com tamanha crueldade com os animais e estes também não eram humanos. O que acontecia era justamente o contrário, os soldados inicialmente pensavam acreditar na teoria de que os prisioneiros eram subumanos, mas, quanto mais contato tinham, mais percebiam que aqueles homens em uniformes listrados eram iguais a eles. Por isso, batiam, espancavam, tentando fazer com que aquele homem capitulasse a sua condição de humano, até que vinha o assassinato, a comprovação do fracasso do guarda em extirpar a humanidade do outro.
De algum modo, funcionamos mais ou menos como aqueles guardas da SS. Olha-se para eles e se julga que um humano não seria capaz daqueles atos, então eles passam a ser a encarnação pura do mal, como ele nunca poderia existir. A realidade é outra, e é dura, por trás dessa imagem que tentamos pintar se esconde uma profunda identificação, o nazista ali poderia ser qualquer um. O horror não é tão grande e nem tão distante quanto queremos que pareça. Do mesmo modo como o acaso fez um cidadão alemão ser classificado para exterminar judeus enquanto outro cidadão alemão era encarregado de, digamos, distribuição de alimentos, também foi o acaso que me fez acompanhar esse livro; muitas coisas, se não todas, dependem do acaso, assim como o bem e o mal.
A narração de Litell é muito bem construída e belíssima, além de nos fazer refletir a respeito de temas fundamentais. Vejo agora que alguns críticos acusaram-no de banalizar o mal, estes, crias da ignorância voluntária, não entenderam nada.


*agora descubro que ele é americano naturalizado francês
**agora descubro que ele foi criticado nesse aspecto por uns e exaltado pela veracidade histórica por outros

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