terça-feira, 4 de agosto de 2009

Recortes

Tempos atrás vi no twitter de uma pessoa¹ - cuja opiniões eu aprecio muito - um pensamento que de certa forma me deu uma pontada e me deixou inquieto, era algo que discordava, mas ainda não tinha conhecimento do porquê. Transcrevo o tweet para evitar distorções: "Esse pessoal que reclama que hoje em dia há informação demais não tinha biblioteca em casa - sempre houve informação demais, ora."

A ideia parece lógica e tem um sentido, as "informações" - entre aspas, vou discutir essa nomenclatura adiante - contidas em um punhado de livros supera, e muito, um telejornal ou até mesmo um portal de notícias. Porém, era nesse ponto que me senti desconfortável, será que podemos comparar esses dois tipos de meios? Pode ser meio forçação de barra ir tão longe só por causa de uma coisa falada por falar, mas o tweet serviu de insight parar pensar sobre esse assunto. Fiquei meio sem saber a resposta até que encontrei um texto para me dar uma luz. Transcrevo Walter Benjamin²:

"Se fosse intenção da imprensa fazer com que o leitor incorporasse à própria experiência as informações que lhe fornece, não alcançaria seu objetivo. Seu propósito, no entanto, é o oposto, e ele o atinge. Consiste em isolar os acontecimentos do âmbito onde pudessem afetar a experiência do leitor. Os princípios da informação jornalística (novidade, concisão, inteligibilidade e, sobretudo, falta de conexão entre uma notícia e outra) contribuem para esse resultado, do mesmo modo que a paginação e o estilo linguístico. (Karl Kraus não se cansou de demonstrar a que ponto o estilo jornalístico tolhe a imaginação dos leitores.) A exclusão da informação do âmbito da experiência se explica ainda pelo fato de que a primeira não se integra à "tradição". Os jornais são impressos em grandes tiragens. Nenhum leitor dispõe tão facilmente de algo que possa informar a outro.

Há uma rivalidade histórica entre as diversas formas da comunicação. Na substituição da antiga forma narrativa pela informação, e da informação pela sensação reflete-se a crescente atrofia da experiência. Todas essas formas, por sua vez, se distinguem da narração, que é uma das mais antigas formas de comunicação. Esta não tem pretensão de transmitir um acontecimento, pura e simplesmente (como a informação o faz); integra-o à vida do narrador, para passá-lo aos ouvintes como experiência."


Cabe, portanto, uma distinção entre conhecimento e informação, esta é tolhedora, aparece fechada para o leitor e não o permite reflexão, enquanto aquele é constituinte, torna-se experiência e permite a geração de outras experiências. Podemos ver aqui a distinção de um livro e um jornal, salvo as seções nas quais se mostram presentes as opiniões de algum jornalista - o que não costuma ocorrer nos telejornais, apenas em jornais impressos e blogs de (bons) jornalistas - que, através da concordância ou não, permite uma reflexão.

Pode-se, então, perguntar se o excesso de informações, é bom ou ruim para a formação de conhecimento. Algo que se deve tomar ciência antes de chegar a uma conclusão é de que o processo de aquisição de conhecimento não se tornou mais rápido com o tempo, ler um livro, ver um filme ou ouvir um disco continua levando o mesmo tempo que no passado; portanto, não nos tornamos mais capazes de absorver informação, o que significa que, se existe muita informação, muito será perdido, ou seja, constitui um excesso.

Um ponto positivos que podemos apreender é a acessibilidade inconstestável e creio que é nesse sentido que nossos esforços deveriam ser direcionados, a criação de uma era da acessibilidade e não uma era da informação. Uma pessoa pode entrar em contato, principalmente pela internet, com fontes de conhecimento indisponíveis sem esta ferramenta, não há como ler mais livros, mas há como escolher melhor os livros que você pode ler. Curiosamente, este aspecto positivo é lesado pelo aspecto negativo, junto com o excesso de informação vem uma demanda por uma opinião crítica e um repertório vasto, isto é, as pessoas se sentem impulsionadas a conhecer mais, e não melhor. Como há informações disponíveis sobre o Japão, Oriente Médio, África e Brasil, supõe-se que todos devem se famializar com o assunto, criando, assim, um repertório fragmentado e raso.

Este fenômeno reflete também em outros parâmetros: no estilo de escrita dos dias atuais, com uma abundância do emprego de pontos finais, recortando o pensamento mais do que deveria e a exclusão do ponto e vírgula, sinal de pontuação também utilizado para dar fluência ao texto e abordar o assunto por outro ponto de vista; no repúdio de filmes e textos muito longos e no sentimento de perda de tempo que os acompanha; na rápida perda de concentração diante de aulas, palestras ou conversas mais demoradas. O recorte também está presente em outros âmbitos, como na vida social - na amizade, intimidade, família, o que gera a pergunta do efeito tostines³ - "tostines vende mais por que é mais fresquinho ou é fresquinho por que vende mais?" - sobre a origem da primeira influência sobre o outro.

Bom, chegando neste ponto o assunto poderia se estender imensamente, dando pauta para um ou mais livros, mas não tenho competência para tal. A questão é que vivemos uma época da fragmentação, na qual as experiências são dificultadas, dificultando o processo de constituição e de individuação de cada um. Não pretendo chegar a conclusões mirabolantes, até porque sei das minhas imensas limitações, mas creio que daí vem o sentimento de vazio, de falta de sentido de que nos queixamos. Somos, nós mesmos, apenas um recorte.



¹Arnaldo Branco
²Benjamin, Walter. Obras Escolhidas, v. III, Chrales Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo, trad. de J.C.M. Barbosa e H.A. Baptista, São Paulo: Brasiliense, 1989.
³Uma forma mais divertida de se propor o problema "quem surgiu primeiro o ovo ou a galinha?". Que também tem uma resposta mais simples, afinal o ovo surgiu antes das aves surgirem, com os répteis.